Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

UM PERSONAGEM CHAMADO BRAZIL

Ao tentar definir o protagonista de Mulher no escuro (1933), de Dashiell Hammett, cujo nome curiosamente é Brazil, Robert B. Parker acabou por resumir, no prefácio à edição de 1988, o espírito que move todos os personagens masculinos do autor: “Os homens, em sua obra, são como Brazil. Algumas vezes, são detetives, às vezes não, mas são homens que entendem a vida tal como Spade a entendia, esperando viesse o que viesse. São homens de poucos amigos e sem um contexto social permanente. Não têm família. A sua lealdade não é para com a lei, mas para com algo diverso, que pode ser chamado de ‘ordem’, um sentido de como as coisas deveriam ser. De muitas maneiras, estes homens parecem fazer parte do povo. Na verdade, ficou, por algumas vezes, muito na moda ver a obra de Hammett sob uma perspectiva marxista ― embora, para tanto, fosse necessário, muitas vezes, forçar um pouco a barra. Mas estes homens parecem imunes às coisas que impulsionam as pessoas. Não parecem ter medo da morte. Parecem resistir às tentações de dinheiro e sexo. Parecem pairar acima da dor e não se surpreendem com a crueldade. Não têm ilusões. Brazil, em especial, parece ter se acomodado dentro de uma grande calma, como se nada lhe importasse muito”. Talvez seja uma evidência de falta de cautela afirmar isso, mas me parece que esta é, no geral, a essência do personagem noir: desencantado com o mundo, sem raízes firmes em nenhum lugar, sem ambições maiores que o simples ato de viver, estóico frente aos fatos da vida, fleumático tanto com homens quanto com mulheres e fiel a uma ordem pessoal, atávica, que jamais sofre um abalo ou, quando o sofre, é de efeito breve, momentâneo.

Um comentário:

Paulo André disse...

Boa aula de gênero policial. Meu Deus, a minha ignorância sob o gênero é tamanha.

Paulo