A obra de Sir Arthur Conan Doyle é vasta e variada.
É um erro associá-lo, terminantemente, ao personagem Sherlock Holmes e suas
aventuras de mistério policial. Conan Doyle dedicou-se também ao romance
histórico, com relativo êxito, e ainda mais freneticamente aos relatos
fantásticos e de ficção científica, dos quais uma de suas mais notáveis criações
é A nuvem da morte (The poison belt).
Grosso modo, seu argumento propõe o fim da humanidade, ameaçada de extermínio por
um gás venenoso, presente num cometa de passagem pela Terra. Deter-me na trama
implicaria revelar parte da história, o que poderia desestimular alguns
leitores mais afeitos a inícios e conclusões. Portanto, vou me ater aos
pormenores que me fizeram enxergar, neste livro, influências sobre alguns
afamados filmes de ficção científica e até de suspense. Tais evidências me obrigaram
a especular que este breve romance goza de muito mais prestígio entre os
leitores de língua inglesa do que lhe atribuem as edições brasileiras, quase
sempre destinadas ao público juvenil. Na minha edição (São Paulo: Nova
Alexandria, 1994), em tradução do escritor e editor Rodrigo Lacerda, à página
94, lê-se: “Elas tinham sido dispensadas por seus aterrorizados professores e
estavam correndo para suas casas quando o veneno agarrou-as em sua rede”. Um
leitor atento, e que aprecia o melhor do cinema mundial, há de reconhecer nesta cena a
origem de outra, de Os pássaros,
quando as crianças abandonam a escola e correm, perseguidas pelas aves. Mais
adiante, na página 98, reconhece-se na velha asmática que passou incólume pela
tragédia promovida pela nuvem a fonte de inspiração de M. Night Shyamalan no
desfecho de Sinais, ainda que indiretamente. No filme, o garoto só
sobrevive ao veneno alienígena porque também é asmático. Na mesma página, logo
a seguir, há um trecho que pode ter permanecido, em estado de suspensão, no
inconsciente dos criadores de Extermínio, dirigido por Danny Boyle: “Quando nos aproximamos do rio Tâmisa, o bloqueio nas ruas aumentou e os obstáculos
se tornaram mais espantosos. Foi com dificuldade que conseguimos atravessar a
ponte de Londres”. Por fim, na página 113, percebe-se na evocação do sono,
referido na fala de um dos personagens, o elemento norteador da trama de Cidade das sombras, de Alex Proyas. Além do mais, todo o
entrecho de A nuvem da morte parece subsistir
na construção de outro filme de Night Shyamalan, O
fim dos tempos. Neste caso, creio que a sugestão é explícita ― ou não será
uma pista o fato de que o filme se abre com nuvens, e a todo momento o vento é
evocado? A loucura que acomete os personagens e os conduz ao suicídio parece cair
do céu e, aos poucos, espalhar-se sob o efeito das correntes de ar. Conan
Doyle talvez não imaginasse o poderoso alcance que seu relato teria, e nem
talvez o escrevesse, se fosse este o propósito. Mas é evidente que seu vigor
persiste na imaginação dos leitores e, eventualmente, vem à superfície da
inspiração.
Noir francês
A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
sábado, 12 de janeiro de 2013
AS AVENTURAS DE SHERLOCK HOLMES
Esta é uma das mais bonitas edições deste livro no Brasil. O formato é de bolso (18x12cm), em capa dura, com 50 ilustrações originais, assinadas por Sidney Paget, e folhas de guarda em papel quadriculado verde e branco. De fato, uma edição luxuosa, com fonte tipográfica atraente (Kingfisher), mancha sedutora, entrelinha confortável e margens medianas, aspectos que conferem à leitura um duplo prazer: do texto em si e do objeto gráfico manuseado. O papel é o Pólen Soft de 70g. A editora Zahar, na verdade, reedita o mesmo livro que publicou, em 1987, na coleção O Creme do Crime. As mudanças são poucas, uma das quais, porém, muito relevante: naquela edição o tradutor foi Waltensir Dutra; nesta, Maria Luiza X. de A. Borges. Foi-se embora, também, o substantivo de tratamento respeitoso "sir", que, na edição de 1987, comparece à folha de rosto e às orelhas (apresentação e biografia), mas não à capa; e, na atual, bem discretamente, só à ficha catalográfica (que poucos leem) e à biografia interna, consultada sempre às pressas pela maioria dos leitores. Alguns dos contos mais célebres do autor (e, claro, do seu mais famoso personagem!) integram o volume, entre os quais Escândalo na Boêmia e A Liga dos Cabeças Vermelhas, frequentes presenças em muitas antologias do autor e do que a literatura policial produziu de melhor. O preço é altamente convidativo ainda, mesmo passado um ano desde seu lançamento, para um livro de tal requinte: R$22,00.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
ASTRONAUTA MAGNETAR
Atualização do popular personagem Astronauta, de Maurício de Sousa, criado em 1963, há exatos 50 anos. Infelizmente, nem a história nem a arte de Danilo Beyruth empolgam o leitor, especialmemte aquele habituado à literatura canônica de ficção científica (Asimov, Bradbury, Clarke, Conan Doyle, Lem, Wells, Verne) ou ao que de melhor os quadrinhos do gênero produziram (Moebius, Bilal). Há na publicação, no entanto, alguns méritos, e o leitor juvenil menos exigente, de maneira geral, há de apreciá-la. Certos trechos se destacam pelos recursos narrativos empregados. O primeiro, entre as páginas 38 e 41, é a representação gráfica da jornada de rotina, tédio e solidão do personagem, confinado a uma região remota do espaço. As páginas se sucedem e se amiúdam, até que as cenas de atos triviais que definem a clausura de 146 dias mal podem ser reconhecidas. A segunda sequência narrativa a ressaltar é a que compreende as páginas 48 e 57. Num ápice de desespero, o Austronauta começa a delirar e, ato contínuo, faz um balanço de sua existência. Por fim, o desfecho, que, muito embora constitua um clichê da literatura romântica (e posteriormente do cinema), ainda funciona, e não sabemos ao certo se o personagem viveu realmente aquela aventura ou a sonhou. Danilo Beyruth é mais conhecido pela premiada HQ Bando de dois e Necronauta, e demonstra em Astronauta magnetar toda a sua versatilidade. O gibi abre a coleção Graphic MSP (coedição da Panini Comics e Maurício de Sousa Editora), que vai publicar atualizações dos personagens do artista ilustre por grandes nomes contemporâneos dos quadrinhos brasileiros. Como o próprio Maurício diz, na introdução: "As sementinhas que plantei, décadas atrás, germinaram".
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terça-feira, 8 de janeiro de 2013
CLÁSSICOS SCI-FI: AS CRÔNICAS MARCIANAS
Foram As crônicas marcianas (The martian chronicles) que revelaram o autor Ray Bradbury e definiram seu estilo, de tramas fantásticas, orientadas pela livre imaginação, e linguagem poética, aspectos que o fizeram único e singular entre os autores de ficção científica. Publicado nos EUA em 1950, As crônicas marcianas colheram elogios imediatos de Adous Huxley e Christopher Isherwood. Ao longo das décadas, a obra granjeou prestígio junto a escritores tão diversos quanto Mário Quintana, no Brasil, e Jorge Luis Borges, na Argentina, que lhe dedicou um prólogo elogioso, no qual expressa seu fascínio pela obra e ressalta o estilo do autor. E, de fato, este exemplar da literatura fantástica é uma das mais importantes obras literárias do século XX e transcende em muito seu gênero, constituindo-se num clássico da ficção americana e mundial. É, inclusive, uma obra de difícil classificação, pois pode ser avaliada como um conjunto de contos ou um romance, formado por várias histórias, e cujo assunto seria a suposta colonização de Marte pelos terráqueos. Algumas histórias, por sua beleza poética e conteúdo fantástico, seduzem os leitores mais exigentes, enquanto outras, mais movimentadas, encerram os leitores numa espécie de vórtice que só se detém com o desfecho. A obra é, ainda, uma profunda reflexão sobre o protagonismo do ser humano no Universo, caso ele, algum dia, alcançasse outros planetas e chegasse a colonizá-los. Em suma, Marte só é Marte para nós. Um "marciano", se existisse, só seria marciano para nós e, certamente, teria dado outro nome ao seu planeta, ao passo que o nosso, para ele, também não se chamaria Terra. Portanto, quando os terráqueos chegam a Marte, deparam-se com "o outro" como ele verdadeiramente é, muito diferente de como a imaginação do homem o moldou e suas expectativas de expansão espacial o consagraram. No curso das aventuras de As crônicas marcianas, os terráqueos se alarmam duplamente: com o que não encontram e com o que veem e lhes é por demais estranho. A melhor edição brasileira é a da Editora Globo, de 2005, com o Prólogo de Borges e um prefácio assinado por Donizete Galvão. A tradução é de Ana Ban, reproduzida pela editora, em formato de bolso com propósitos didáticos, no ano seguinte.
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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
MALET POR TARDI
O
escritor francês Léo Malet, nascido em Montpellier em 2009 e morto
em 1996 em Paris, jamais teve suas obras regularmente publicadas no
Brasil. Talvez o único livro de que se tem notícia seja É
sempre noite (La vie est dégueulasse), da Trilogia negra,
publicado pela Companhia das Letras em 1991 e jamais completada pela editora. Como os romances estrangeiros policiais tradicionalmente eram
publicados no Brasil por casas editoriais de vida efêmera e em edições
baratas, que mais cedo ou mais tarde desapareciam na poeira dos sebos
e das bibliotecas, não se pode afirmar que nenhuma outra obra do
autor não tenha vindo a público por aqui, em algum momento dos últimos
cinquenta anos. Malet deixou de escrever nos anos 1960, mas seus
livros, na França, continuaram populares e exaltados pela crítica,
tanto a mais exigente quanto a específica do gênero policial. Isso
se deve ao fato de ele mesclar, com eficiência, a ação rápida do romance policial
americano com a tendência, na qual a literatura francesa é
insuperável, de refletir sobre a realidade e filosofar sobre a
condição humana. Neste sentido, Malet não se parece com ninguém.
Talvez um pouco com Simenon. Para o deleite de seus raros
apreciadores no Brasil (tenho quase certeza de que este grupo não
é legião!), a editora de HQ Zarabatana Books acaba de lançar
Brumas sobre a Pont de Tolbiac, adaptação para os quadrinhos
por Jacques Tardi do romance homônimo de Léo Malet. O próprio
Malet afirma, no prefácio, que este é um de seus livros mais
apreciados, por ele e pelo público, com edições sucessivas.
Curiosamente não foi aproveitado pelo cinema, mas se tornou uma
belíssima HQ, pelas mãos de um astro dos quadrinhos franceses. A
edição brasileira, em P&B sobre papel couché e dimensão
confortável de 16x23cm, impressiona pelo requinte e pela beleza, e o estilo de Tardi parece perfeitamente assentado ao de Malet, seja na
caracterização física dos personagens seja nos retratos em
claro-escuro das ruas de Paris. Dá até vontade de ir lá, tamanho é o realismo! Para a nossa
decepção, infelizmente, os protagonistas Nestor Burma e a cigana
Belita são só de papel. A edição compreende o volume 1 da Coleção
Nestor Burma. Torçamos para que a editora cumpra o prometido e
publique mais adaptações de Malet por Tardi.
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