Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

NOSSO HOMEM EM HAVANA


O serviço de espionagem britânico, com o propósito de marcar presença na Havana pré-Fidel, recruta como espião um pacato cidadão inglês, o Sr. Wormold, proprietário na capital cubana de uma loja de aspiradores de pó. Ele não entende nada de espionagem, mal conhece o assunto, mas, por amor à filha de 16 anos, a quem, com o dinheiro da espionagem, poderá oferecer uma vida melhor, redige falsos relatórios e frauda evidências da presença dos soviéticos em Cuba. Paranoicos, como, aliás, todo o Ocidente na época, os ingleses acreditam em tudo que o Sr. Wormold lhes envia. Sua audácia suprema se dá quando, sem nada a oferecer aos seus patrões, ele desmonta um aspirador de pó, desenha suas peças internas, uma a uma, e depois lhes envia “sua arte”, alegando que eram aqueles os estranhos objetos que ele vira em determinado lugar da Ilha. O entendimento é que certamente eram russos e, muito provavelmente, grandes peças de um artefato atômico. Diz o ditado que, se quiser satisfazer a alguém, ofereça-lhe o que ele deseja ver. Irônico e bem humorado, Nosso homem em Havana (L&PM, 2007) é um dos melhores livros de Graham Greene (1904-1991), detentor de uma legenda rara entre os escritores: foi ele, ao mesmo tempo, um grande escritor, de estilo pessoal e reflexivo, e um autor popular, capaz de ser profundo, sem ser enfadonho, e “fácil”, sem abrir mão dos valores literários, num gênero polêmico como o policial. “Há muitos países em nosso sangue, não é verdade? Mas apenas uma pessoa. Seria o mundo a bagunça que é se fôssemos leais ao amor, e não aos países?”, reflete uma das personagens. Publicado em 1958, vertido para o cinema e com inúmeras edições em vários idiomas, este romance policial de espionagem tornou-se um dos mais célebres de seu autor, que fez da literatura um plenário para as discussões de seu tempo, sem jamais incorrer no panfleto.

Publicado originalmente na coluna Crítica Rasteira, da revista Verbo 21, em janeiro de 2013.