Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

domingo, 28 de abril de 2013

A NOVA TERRA

Uma nova Terra. Artificial, programada e que visa a se tornar antípoda da atual. São convidadas a integrá-la somente pessoas que possuam um mínimo de vínculo com seu planeta, de modo que laços não se partam, e sentimentos conflitantes não aflorem e atrapalhem a fundação daquela nova humanidade. É neste contexto que Clarisse é escolhida e acolhida, até que fica grávida e, nesta condição, mais sensível a tudo, torna-se uma voz dissonante. A vida perfeita que os líderes da nova Terra prometem tem seu preço, como tudo, e Clarisse pouco a pouco o compreende. Escrito por Walmir Ayala (1933-1991), que praticava com êxito muitos gêneros, este breve romance de ficção científica é uma surpresa, tanto pelo entrecho quanto pelas reflexões que apresenta. Se escrito em inglês ou francês, seria um livro cultuado, já com muitas edições e talvez até arrebatasse algum prêmio importante. Mas, sendo o idioma o português e o país o Brasil, ao que parece teve só esta edição (Belo Horizonte: Leitura, 2012) e muito mal cuidada. Os defeitos são inúmeros, desde negligência técnica ficha catalográfica centralizada, ausência da falsa folha de rosto, papel e capa grossos demais e opção por fonte sem serifa, o que dificulta a leitura até erros grosseiros de revisão. Sem contar o fato de que o leitor não sabe se é uma obra póstuma ou uma nova edição. Que o leitor releve, no entanto, estes percalços do editor Sebástian Justo e desfrute o que o livro tem de melhor: seu ótimo texto literário. 

Publicado originalmente na coluna Crítica Rasteira, da Verbo 21, em abril.

sábado, 27 de abril de 2013

TORMENTA

O escritor inglês Conn Iggulden é mais conhecido pelos seus romances históricos, especialmente Os portões de Roma, best-seller internacional. Em 2006 escreveu e publicou, por encomenda, em comemoração ao Dia Internacional do Livro, a noveleta Tormenta (Rio de Janeiro: Best Bolso, 2012). Classificada erroneamente como thriller ― gênero mais afeito ao cinema ―, constitui um relato policial de ação, envolvendo rivalidade entre irmãos e traição conjugal. É particularmente bem elaborada a forma como o narrador põe em choque o meio familiar, apático, protagonizado por David, e o mundo exterior, hostil, cujo representante, Denis Tanter, é tão forte e agressivo quanto o gigante bíblico Golias. Deste embate, surge a oportunidade de David se superar como indivíduo ou desmoronar definitivamente, ele, que desde a infância sofre com as ofensas e provocações alheias. Para que este breve relato compusesse um livro com 144 páginas, o editor optou por uma fonte enorme, para míopes, e usou um papel fino demais, quase transparente. Nem oito, nem oitenta. Com uma fonte menor e papel mais espesso, ficaria uma edição mais oportuna e vistosa, com mais ou menos cem páginas. Relevando-se tudo isso, porém, Tormenta é puro entretenimento, para se ler no ônibus, no trem, na fila do banco ou dentro de um café, diante de uma fumegante xícara de cappuccino ―, se a humanidade em volta permitir. 

Publicado originalmente na coluna Crítica Rasteira, da Verbo 21, em abril de 2013.