Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

domingo, 16 de março de 2014

AS AVENTURAS DE NICOLAU & RICARDO

Fazer literatura policial não é fácil. São ingênuos os que acham que o gênero policial é uma arte menor e de fácil acesso, em termos de criação. Seus aspectos bem específicos e suas leis quase inalteráveis exigem que o autor, ao mesmo tempo, incorra em repetições e promova algum tipo de variação ou renovação. Neste aspecto, é sempre um caminho menos árduo enveredar pelo conto ou mesmo pelo miniconto. Foi o que fiz, por alguns anos, com os personagens Nicolau & Ricardo, cujos textos enfeixo agora em As aventuras de Nicolau & Ricardo: detetives (Penalux, 2014). O volume reúne duas temporadas (como nas séries de tevê) de 22 minicontos cada. O tom é de humor e farsa, e as histórias, muito breves, estruturam-se como pretextos para que os detetives desfiem sua verve e sua ironia, promovendo no leitor um duplo interesse: pela solução do crime e pela paródia ao gênero de mistério. O lançamento será dia 4 de abril, na RV Cultura e Arte, Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho, Salvador, BA, das 18:30 às 21:00. Pedidos de fora da Bahia podem ser feitos diretamente à editora Penalux.

domingo, 2 de março de 2014

A ILHA NO ESPAÇO

Esta novelinha de Osman Lins é uma das mais interessantes incursões de um autor brasileiro no gênero do suspense. A trama, desde o princípio, se apresenta como um enigma, que, pelos aspectos e motivos explorados, conduz a uma experiência fantástica ou de entrecho policial. Num condomínio residencial, ocasionalmente aparecem moradores mortos em circunstâncias estranhas. A polícia não consegue desvendar as mortes, e pouco a pouco os moradores debandam do prédio, no qual resta, ao fim, um único morador, Cláudio Arantes Marinho, abandonado pela esposa e pela filha, à espera da morte. Até que, um dia, ocorre-lhe uma grande ideia: desaparecer sem deixar vestígios, livrando-se, a um só tempo, daquela situação absurda e da própria família, que impiedosamente o descartou. Mal sabia ele que, ao ter êxito, desvendaria as insólitas mortes e, de quebra, puniria o responsável. (Ler a postagem na íntegra)

domingo, 16 de fevereiro de 2014

OS AMORES DA PANTERA

Um romance, como gênero narrativo, será sempre a representação de um tempo e de um lugar. Os costumes de uma sociedade, os hábitos de um grupo. Não importa que pareçam hoje, ao nosso olhar, anacrônicos ou imprecisos. Sendo ou não verdade o seu assunto, feita a representação romanesca, torna-se a trama um relato e uma realidade possíveis, de modo que, durante a leitura, possamos voltar àquele espaço e compreendê-lo e aos seus indivíduos, que circulam em seu momento como numa eternidade.
 
Em cores impressionistas, é este o efeito que nos transmite a leitura do romance Os amores da Pantera, de José Louzeiro.  Recriação de um dos mais célebres crimes ocorridos do âmago da alta sociedade carioca, seu relato não se contenta em reproduzir a verdade e a representa em tons artísticos, eminentemente literários, obtendo, assim, uma perenidade que poucos romances, e ainda mais os policiais, alcançam. Não somente acreditamos no que lemos como nos sentimos incomodados com suas cenas mais corajosas e violentas.
 
Podemos dividir, para efeito de análise, Os amores da Pantera em três partes: a festa, durante a qual, em meio a um alto consumo de drogas e excessos sexuais, duas moças são assassinadas, como prelúdio do que vai acontecer; a vida, período em que os personagens presentes àquela festa voltam "limpos" ao cotidiano comum, muito embora conscientes de que não serão mais os mesmos, depois de tudo o que aconteceu; e, por fim, a morte, consequência e síntese daquelas duas primeiras incursões, ou períodos, e ponto extremo a que a narrativa deve conduzir o leitor, renunciando a qualquer senso de justiça, pois, num país como o nosso, é assim que acontece: os criminosos ficam impunes, especialmente se integram determinadas classes sociais, como a esfera da política ou a "realeza" franqueada pelo dinheiro. 
 
José Louzeiro não põe maquiagem no fato. Mantém a Pantera como vítima de seus carrascos, mas não deixa de sugerir que, por sua conduta, ela teve igualmente a sua parcela de culpa. Quem não quer se afundar não se acerca da areia movediça. Se no crime americano da Dália Negra moviam-na a solidão e o desespero, no da Pantera, ao contrário, o que a faz se perder é o dinheiro e, em dosagem não menos decisiva, certo prazer pelo risco, alimentado por longas imersões alucinógenas e frequentes orgias.
 
Os criminosos ficaram impunes, mas a vítima, não. Tanto na vida quanto na literatura, há certa coerência nos fatos, sacramentada pela relação de causa e efeito. Qualquer passo dado ou a ausência dele levarão a um termo, a uma consequência. O provérbio não falha: se vou morrer nas montanhas, nem preciso ir lá. Foi esta a lógica da Pantera, que, em certo trecho da narrativa, a intui e não parece se abalar. A sabedoria do não-agir pode ter também as suas consequências nefastas. Ou nosso percurso sobre a Terra, nas palavras de Henri Borel, não é senão isto: "Um homem surge das trevas, sorri por um instante ao clarão da existência, e logo desaparece". Curta ou longa, a vida é a mesma vida.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ELIZABETH SHORT, A DÁLIA NEGRA

Cartaz do filme, de 2006.
Há 67 anos, em 15 de janeiro de 1947, às 10:45 da manhã,  um telefonema anônimo de uma mulher conduz a polícia de Los Angeles a um terreno baldio entre a Rua 39 e a Av. Coliseu. A poucos metros da calçada, em meio ao mato tocado pelo vento, repousa o corpo despido de um moça de mais ou menos vinte anos, separado ao meio à altura do ventre. Como num filme de horror, ela apresentava um sorriso macabro, pois sua boca fora lascada quase de uma orelha a outra. Torturada, talvez ao longo de dias, com marcas em todo o corpo, fora, por fim, eviscerada, restando muito pouco dos seus órgãos internos para a análise dos legistas. Um detalhe surpreendeu a todos: além de cruel e impiedoso, o assassino era higiênico, pois lavou o corpo de tal modo, que não havia sequer uma mancha de sangue.

A moça era Elizabeth Short, de 22 anos, 1,60m, cabelos castanhos, nascida em Hyde Park, Massachusetts, EUA, em 29 de julho de 1924, sob o signo de leão. Estava em Los Angeles para se tornar atriz e ser famosa, uma estrela. Porque se vestia toda de preto, recebeu de vizinhos e transeuntes o apelido de Dália Negra. Desde que chegara a Los Angeles, mudava constantemente de endereço e procurava, junto a companhias masculinas, um romance, um sustento temporário e alguma oportunidade. Nada conseguiu, e qualquer um que a viu passar ou a usou pode ter se tornado o seu assassino.

Surpreendentemente, tudo o que se disse de Betty Short, desde que seu corpo foi encontrado, parece querer justificar o que lhe aconteceu, como se isso fosse possível. Foi dito que era confusa e volúvel, que estava em decadência, que apresentava temperamento impulsivo e não passava de uma sonhadora. Assegurou-se, ainda, que ela sentia medo, todo o tempo. Um medo de si mesma, talvez. Em sua correspondência, foram encontradas muitas cartas, algumas que ela jamais enviara, e outras que recebera. O tema era um só: o amor. E o tom, de desespero, perda, frustração, desesperança, derrota, dela para os remetentes, e destes para ela. Concluiu-se que Betty era uma moça angustiada e insatisfeita.

Todo o seu percurso em Los Angeles foi remontado, e se descobriu que ela estava sempre em trânsito. Não parava, nunca. Movia-se de um hotel para outro, de um bar para outro, na companhia de homens, mulheres e, não raro, sozinha. Um dos seus historiadores arremata, imbuído, talvez, do desejo de não deixar dúvidas quanto ao fato de que ela mesma cavou sua morte: "Incapaz de classificar pessoas e acontecimentos com discernimento, precipitava-se, com rapidez crescente, para a sua própria destruição".

O suprassumo desta teoria é o bilhete anônimo que chegou à delegacia, no curso das investigações. Depois de duas ou três frases de bravata, aquele que se denominava o Vingador da Dália Negra, e que escrevera algumas vezes à polícia,  rabiscou: "A morte de Dália foi justificada". O que ela fez e como fez justificaria que tivesse sido torturada, estuprada, sodomizada, retalhada, eviscerada, cortada ao meio, e ainda tivesse a boca rasgada de orelha a orelha...

A morte de Elizabeth Short sempre será um enigma, mas sempre será, sobretudo, uma ignomínia sem explicação nem justificativa.