Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A SÉRIE NEGRA

No último parágrafo do seu texto Sobre o gênero policial, incluso no livro O laboratório do escritor, Ricardo Piglia tenta chegar a uma conclusão do que seja a série negra, rótulo aplicado ao conjunto de obras dos autores norte-americanos modernos que se dedicaram ao gênero policial. Escreve ele: "Em última instância (penso em Safra vermelha, de Hemmett, em O pequeno César, de Burnett, em Mas não se matam cavalos?, de McCoy), o único enigma que os romances da série noire propõem — e nunca resolvem — é o das relações capitalistas: o dinheiro que legisla a moral e apóia a lei é a única 'razão' destes relatos onde tudo se paga. Neste sentido, eu diria que são romances capitalistas no sentido mais literal da palavra: devem ser lidos, penso eu, sobretudo como sintomas. Textos cheios de contradições, ambíguos, que frequentemente flutuam entre o cinismo (exemplo: James Hadley Chase) e o moralismo (em Chandler tudo está corrompido, menos Marlowe, profissionalmente honesto, que faz bem seu trabalho e não se contamina; na verdade, parece uma realização urbana do cowboy). Acredito que justamente por serem ambíguos estes textos nos causam leituras ambíguas, ou melhor, contraditórias: há os que a partir de uma leitura moralista condenam o cinismo destas histórias; e há também os que dão a estes escritores um grau de consciência que eles nunca tiveram, e fazem deles uma espécie de versão divertida de Bertolt Brecht. Sem ter nada de Brecht — salvo, talvez, Hammett —, acho que estes autores devem ser submetidos, antes, a uma leitura brechtiana. Nesse sentido há uma frase que pode ser um ponto de partida para essa leitura: 'O que é roubar um banco comparado com fundá-lo?', dizia Brecht, e nessa pergunta está — se não me engano — a melhor definição da série noire que conheço". Sem dúvida. Apenas acrescentaríamos que, se o dinheiro é o motor destas histórias — e é, efetivamente — o são também os bens e as coisas que ele permite comprar, depois de obtido: e não somente objetos, homens sobretudo — e o poder que eles disputam e alimentam.

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