Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O SOL POR TESTEMUNHA


Adaptação livre do romance policial O talentoso Ripley (1955), de Patricia Highsmith, o filme O sol por testemunha (1959), dirigido por René Clément, promove no espectador um deslocamento e uma subversão: o ponto de vista é o de um assassino, e estranhamente não o repudiamos. Tom Ripley (Alain Delon) faz um acordo com um milionário, que deseja o filho, Philippe Greenleaf (Maurice Ronet), de volta aos EUA. Ripley aceita a missão em troca de uma generosa quantia. Parte, assim, para a Itália, onde Philippe vive com a namorada, Marge (Marie Laforêt). Philippe é um típico playboy, que não tem muitas preocupações, a não ser a de gastar dinheiro e curtir a vida. Ripley, por sua vez, é um jovem pobre, mas com inúmeras habilidades, como, por exemplo, o talento em imitar a voz e os gestos de uma pessoa, bem como o de falsificar assinaturas. Philippe apenas tolera Ripley enquanto este o serve como um brinquedo, enquanto o diverte. Finda a brincadeira, é preciso colocá-lo em seu devido lugar. O tempo todo Philippe humilha o "amigo", chegando ao ponto de deixá-lo, por várias horas, exilado num bote amarrado ao barco em que estavam, sob um sol escaldante, causando-lhe forte insolação. Ripley, cínico e com a fina ironia que lhe é peculiar, finge não se importar com isso. No entanto, como já invejava Philippe, sua fortuna e sua namorada, vê neste fato a justificativa perfeita para o plano que tinha arquitetado: matar Philippe. E o faz tendo o sol mediterrâneo, às suas costas, como a única testemunha. Em lugar da escuridão da noite, o sol inclemente, quase branco de tão intenso: uma quebra de regra do que se convencionou chamar de cenário ideal para um filme noir. Ripley assume, então, a identidade de Philippe, toma posse dos seus bens e, pouco a pouco, conquista sua namorada. Tudo perfeito, se não fosse por um detalhe: ter deixado — sem querer, é claro — um vestígio do crime: o corpo de Philippe, emaranhado ao casco do navio, e que será descoberto no desfecho do filme. Na referida sequência, Tom Ripley está na praia e é chamado para atender a um telefonema, sem saber que policiais o esperam. Não é necessário explicar o que vai acontecer depois disso. O espectador já sabe. Por isso, o desenlace é apenas sugerido. Sugerido, pois Ripley, destro e escorregadio, é capaz também de se esgueirar da polícia... Portanto, o final é aberto. Além de uma envolvente história policial, O sol por testemunha conta com uma belíssima fotografia e excelentes atuações, com destaque para o ator francês Alain Delon. E acontece com o espectador uma estranha transformação ao assistir a este filme: criamos uma forte empatia com o criminoso, não conseguimos sentir raiva de Tom Ripley. Contemplamos seus atos até com certo pesar, sem dúvida, mas sem detestá-lo — condescendentes, talvez devido à sua beleza e ao seu charme, que também são de Alain Delon. É, talvez.

LIDIANE NUNES, uma infiltrada.