Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O VIGARISTA, DE ED MCBAIN

Neste romance, que é um dos primeiros da série do Distrito 87, a participação da esposa do detetive Steve Carella, Teddy Carella, é mais ampla e intensa, quase de protagonista. Embora seja muda e só se comunique através de sinais e bilhetes, ela é decisiva para a solução do enigma e fica, no desfecho, tête-à-tête com o assassino, que lhe diz, sarcástico, atraído por sua beleza: "Posso falar, você pode prestar atenção e eu não tenho que declamar poesias de amor. Você é sensual também. Água parada mas profunda". Além disso, é nesta aventura que Teddy Carella faz, no ombro, a primeira tatuagem de borboleta, sobre a qual, anos depois, no dia dos namorados, tatuará outra, maior, como símbolo de seu amor pelo marido. O início da trama envolve duas mulheres mortas,  encontradas no rio Harb com os corpos em avançado estado de putrefação. Em poucos dias, o detetive Carella se vê diante de um assassino serial que, além de tudo, assina suas vítimas com uma tatuagem. E, diferentemente de outras mulheres sacrificadas, que em geral são fatais e sedutoras, estas não chamavam a atenção dos homens por sua beleza. Isto direciona a investigação para uma evidência crucial: de que as vítimas foram mortas por um motivo preciso e específico, talvez monetário. Como todos os romances policiais do autor, O vigarista (The con man) não se detém apenas no entrecho policial. O narrador faz digressões, expõe fatos paralelos, analisa o contexto socioeconômico, que favorece o crime e a ação dos vigaristas, e até ironiza, metalinguisticamente, com os relatos policiais: "O crime anda solto pelas ruas, e aquele era um excelente dia para se cometer um assassinato. Os vigaristas que escrevem livros policiais não poderiam escolher um dia melhor, teriam imaginado exatamente assim: Uma chuvinha fina e cortante caindo sobre o rio Harb, um céu pesado e cinzento (...). Um close mostraria de repente uma mão saindo da superfície da água, os dedos rijos e esticados". Por outro lado, a história é também uma declaração de amor do detetive Carella à sua esposa, Teddy, sempre generosamente descrita por sua beleza e sensualidade. Tal aspecto não surpreende nem um pouco o leitor de Ed McBain, por saber ele que, como dizem os críticos, o autor praticamente inventou um tipo pessoal de romance policial, ao mesmo tempo fiel à tradição e em nada parecido com nenhum outro.

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