Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

domingo, 7 de outubro de 2012

MISTÉRIO NO DISTRITO 87

Nesta edição brasileira de He who hesitates, publicado com título completamente anacrônico pela Editora Expressão e Cultura, em 1974, o texto da quarta-capa chama a atenção do leitor para o protagonista, que, psicologicamente abalado, espreita o Distrito 87 e chega a seguir, pelas ruas, o detetive Steve Carella, como se quisesse confessar-lhe um crime. E o editor conclui: "A história de um estranho crime. Uma história diferente, que, de surpresa em surpresa, levará o leitor a um desfecho que você ainda não conhece no gênero policial". A primeira indagação do leitor, acostumado ou não às leituras de narrativas policiais, é sobre o porquê deste texto. Simples: o editor, diante de uma obra que, como relato policial, não segue os padrões então estabelecidos, opta por uma convocação à leitura que vai, antes de tudo, exaltar a estranheza da história. De fato, a trama deste livro é singular, mas o é apenas porque não é um relato policial de mistério ou enigma, no qual a base da narrativa consiste em seguir os meandros da investigação. He who hesitates é simplesmente um relato policial de ação: o crime acontece diante do leitor, que se torna cúmplice do protagonista. Não há detetive, não há investigação, não há caçada ao criminoso. Se alguém julga a este, é ele próprio, que entra em crise de consciência. O capítulo 5, especialmente, apresenta páginas que despertam grande interesse, por colocar face a face, num relacionamento inter-racial, numa época em que tal aspecto ainda não era um modismo, um homem branco e uma garota negra. E é dos lábios da moça que saem as grandes tiradas: "Não sei como é um homem branco encrencado. Já vi muita gente de cor nessa situação. Aliás, se a gente é de cor, vive sempre numa encrenca, desde o dia em que nasce. Mas não conheço a aparência de um homem branco numa situação dessas. Não sei como ficam seus olhos". Ou, quando ele lhe pede que olhe para ele e diga se vê encrenca dentro de seus olhos: "Não, a não ser que eu mesma seja uma". Por fim: "É claro que minha mãe pode não gostar que eu leve pra casa um homem branco. Pode mesmo pegar a cantar uma velha canção que costuma cantar desde que eu era uma criancinha mimada: Filhinha, afaste-se do homem branco; ele só quer se meter nas suas calças e roubar sua virgindade". Como em quase todos os livros de Ed McBain que decorrem no Distrito 87, e mesmo neste, em que o Distrito é apenas entrevisto pelo olhar do criminoso, a esposa do detetive Carella aparece, sempre deslumbrante e sensual: "O detetive estendeu-lhe a mão, ela a segurou, levantou o rosto e os olhos para ele, um franco e amoroso sorriso iluminando-lhe a fisionomia. Nossa! Como era bela! O cabelo era negro, os olhos, de um castanho escuro, e ela sorria para o detetive com os olhos, a boca, o rosto inteiro, e depois ficou de pé a seu lado na calçada, beijou-o rapidamente na boca, não na face ou no queixo, mas um carinhoso e repentino beijo na boca". Ao observar esta cena, o criminoso conclui que Teddy Carella "sentia-se simplesmente felicíssima por estar com seu homem" e que ele jamais fora amado desta forma.

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