Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A CURIOSIDADE MATOU UM GATO

Um pacato cidadão de província, infenso à política, a mexericos e a discussões mais acaloradas, recebe uma carta anônima capaz de fazer qualquer pessoa gelar. Lacônica, certeira como uma flechada no coração e irrevogável como o destino de um personagem de tragédia grega, a mensagem avisa: “Esta carta é a tua sentença de morte, por aquilo que fizeste morrerás”. A reação inicial do destinatário da correspondência é de surpresa, depois de medo e, por último, de reconfortante tranquilidade. Afinal, revendo toda a sua vida, não consegue se lembrar de nada de grave que fizera no passado e que justificasse sua morte.
Dias depois da ameaça, o homem é assassinado, juntamente com um amigo com quem saíra para caçar lebres e perdizes. Mas seria ele mesmo o alvo principal do assassino, ou dos assassinos, já que a sequência da história indica um terrível complô? Por que os dois foram mortos? Quem os matou e por quais motivos? A polícia local começa a investigar o crime, mas não faz nenhum avanço, como se não desejasse mesmo fazer qualquer avanço...
Então entra em cena um tímido professor de literatura e história, que começa a juntar as peças do quebra-cabeça e passa investigar o caso, por conta própria, mais por curiosidade intelectual do que pela vontade de fazer justiça. Porém, é aí, na curiosidade desmedida (a curiosidade matou o gato, já diz um ditado popular), que mora o perigo. Essa é a trama do romance A cada um o seu, do italiano Leonardo Sciascia, uma história policial que se lê de uma sentada, seja pela brevidade do relato seja pela interesse em desvendar os assassinatos que impactaram o retraído professor.
Não somente um romance policial. Também uma história de corrupção, arrivismo político-social e traição; uma patologia (ainda que em recorte) da máfia siciliana, já que a história se passa na Sicília, umas das regiões mais pobres da Itália pós-Mussolini. O paulatino desvendar dos personagens, pelo professor-detetive, parece confirmar a máxima do pároco local: “Estamos sempre entre vermes”. O desfecho da história certamente seria diferente, se o curioso professor tivesse dado ouvidos às palavras de um velho ocultista, pai de um dos homens assassinados: “Certas coisas, certos fatos, é melhor deixá-los na escuridão em que se encontram”.
Um thriller, de leitura obrigatória, que mistura assassinato, polícia e política, tão pródigos na vida real.


ELIESER CESAR, um infiltrado, é escritor, professor e jornalista. Autor de A garota do outdoor (2007).

Um comentário:

Lidi disse...

Uma ótima dica de Elieser. Já gostei do livro antes de o ler. Mas farei isso, em breve. Um abraço.