Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

domingo, 25 de abril de 2010

MESTRE DE FUGAS

De vez em quando lemos um romance policial que não se parece com nenhum outro. É o caso de Piloto de fuga (The getaway man), de Andrew Vachss. A história de Eddie é contada em ritmo e tom de fábula, desde seus dias de delinquência juvenil até a época em que ele se torna um motorista profissional de quadrilhas: o cara que fica no carro, com o motor ligado, à espera dos companheiros que assaltam, para fugir. Neste sentido, ele passa pela "educação primária", pelo "segundo grau", pela "graduação", "mestrado", até atingir o estágio de "doutoramento", quando começa a colaborar para o aperfeiçoamento de sua profissão, com novas ideias, novos métodos e práticas. A rigor, o romance não tem uma trama, o que pode frustrar e desestimular muitos leitores do gênero. Parece mais um livro das memórias de um bandido que, aposentado, resolve contar sua história, dos primeiros dias àquele momento que significou, para ele, o ápice de sua carreira. É, portanto, um romance policial de ação: os bandidos estão em primeiro plano e só eles importam. Policiais e juízes, sempre esvaziados de qualquer psicologismo, são quase autômatos, encarregados apenas de prender e condenar. O narrador parece, com isso, querer afirmar que as verdadeiras pessoas, as mais humanas e complexas, são os bandidos. É nesse cenário onírico e sem contornos, nessa realidade opaca e definida com um mínimo de recursos, através de uma escrita direta e elíptica, que Eddie "trabalha", se envolve ingenuamente com três mulheres, adquire gosto pelo cinema (em especial, filmes sobre motoristas e carros em fuga) e projeta sua aposentadoria. Mas algo inesperado acontece... E a questão que se coloca não é se ele, mestre de fugas, vai conseguir escapar, mas "como" vai escapar e "com o quê", pois, uma vez que a história é narrada em primeira pessoa, não resta dúvida de que ele sobreviveu. Ou está gozando dos benefícios que a riqueza proporciona, livre do trabalho e do assédio da polícia, a ponto de escrever sobre si mesmo e suas experiências, ou apodrecendo na cadeia, com todo o tempo do mundo para relembrar sua vida.

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