Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A SANGUE-FRIO: 50 ANOS

Era 15 de novembro de 1959, dois homens invadem a casa grande da fazenda River Valley, na cidade de Holcomb, Kansas, EUA, e matam friamente toda uma família: o senhor Herb Clutter, sua esposa Bonnie e seus dois filhos Nancy e Kenyon. Buscavam uma fortuna que não existia e que supostamente estava num cofre, ignorado pela família.
O crime chocou Holcomb, os EUA e o mundo. E chamou a atenção do escritor Truman Capote, jornalista experiente e autor de uma pequena obra-prima, levada às telas de cinema com estrondoso sucesso: a novela Bonequinha de luxo.
Capote praticamente se muda para Holcomb, onde empreende uma longa pesquisa sobre o que ocorreu e, ao fim de muitos incidentes, escreveu A sangue-frio, um dos mais importantes romances-reportagem já escritos, se não o maior, mais bem-acabado, uma verdadeira obra de arte literária e, também, um documento histórico-jornalístico de uma terrível chacina.
Os protagonistas do livro são exatamente os dois assassinos: Perry Smith e Dick Hickock. O cotidiano de ambos, seus passos depois da matança, suas famílias, o que eles pensam sobre o que fizeram e o que acham que vai ocorrer, quando forem capturados. Os Clutter também são examinados ao olhar atento de um escritor que não perde nenhum detalhe. Os pais, os dois filhos, seus sonhos interrompidos, os amigos e parentes, o dia-a-dia traquilo e pacato abalado de repente por dois estranhos na noite...
A investigação policial também é acompanhada passo a passo, desde as primeiras cenas do crime até a execução dos assassinos, num dos maiores exemplos de virtuosismo narrativo de que se tem notícia. Sem parecer artificioso, Capote passa com desenvoltura de um foco dramático a outro — a família, os criminosos, os habitantes da cidade, a polícia —, mostrando que uma boa história flui naturalmente: basta que o escritor domine sua matéria, não pense em se exibir e saiba equilibrar estilo com informação, estética com funcionalidade.
Elegante, fluido, artístico, poético, cruel e inesquecível. Longe de ser o óbvio relato de um crime
bestial, A sangue-frio constitui o monumento de um tempo e um lugar, abalados ambos pela atitude impensada de dois monstros, que fizeram de uma determinada noite de novembro de 1959 uma inesperada pintura de sangue e palavras.

2 comentários:

Victor Mascarenhas disse...

Este é um dos grandes livros do século XX, sem dúvida. Os bastidores da sua escrita também são fascinantes, já que Capote, que nunca foi famoso por seu bom caráter, acabou estabelecendo uma relação de manipulação/sedução com os assasinos que quase o enlouqueceu. O fato é que depois de A sangue frio, ele nunca mais escreveu outro romance.

Laís Santos disse...

Acabei de ler agora. Incrível! Apesar de toda a polêmica que envolve A Sangue Frio, indiscutivelmente, o texto foi muito bem escrito. Difícil imaginar um mergulho tão profundo numa história.