Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

sábado, 8 de janeiro de 2011

BADLANDS, O FIM DO SONHO AMERICANO

Não são muitos, na ficção norte-americana e mundial, os textos inspirados no assassinato do presidente John Kennedy, o terceiro mais importante evento da história dos EUA durante o século XX: o primeiro seria o ataque japonês a Pearl Harbor e a derrota no Vietnam. Romances de valor sobre aquele crime, se acreditarmos verdadeiras as palavras de Jonathan Vankin, há dois: Libra, de Don Delillo, e Tabloide americano, de James Ellroy. Ambos muito elogiados e pilares em seu gênero. Nos quadrinhos, especialmente, havia um hiato, até que surgiu, em 2003, quarenta anos após a morte de Kennedy, Badlands, o fim do sonho americano, de Steven Grant (roteiro) e Vince Giarrano (arte).

A narrativa é fluente, e o enfoque, inédito: Lee Harvey Oswald não matou Kennedy; foi posto na história, e na História, como um curinga de baralho, porque o verdadeiro assassino desapareceu e era preciso oferecer um culpado à nação e ao mundo. Quanto aos verdadeiros responsáveis pelo crime, certamente o financiou a esfera política insatisfeita com o desempenho do presidente, com suas gafes, suas trapalhadas. Os desenhos, num P&B cinematográfico, são realistas e movimentados, com ângulos que surpreendem e obrigam o leitor a se deter um instante, ao mesmo tempo fascinado e avaliando o que viu.

Um outro aspecto do qual o leitor tira enorme proveito reside no fato de que a história não se esgota na primeira leitura: do tipo enquadrado e com muitos vaivéns no espaço e no tempo, apresenta uma montagem que a princípio não parece coerente ou, pelo menos, soa canhestra. Mas esse é o propósito: deixar a cargo do leitor organizar a narrativa, conforme a recepção das partes e o encadeamento dos quadros em sua mente. Badlands é ainda valiosa por intercalar em sua representação de um evento histórico, e com bastante coesão, sem parecer uma ferramenta postiça, referências precisas à vida corrente dos anos 1960, como a música popular (especialmente Beatles), a contracultura, o amor livre, a Guerra Fria, o mundo burguês endinheirado (com sua afetação e suas manias) e os hippies nômades.

Mal terminei de ler Badlands, já sabia que a leria de novo, em breve, o que só muito raramente ocorre com uma HQ, e em geral com aquelas que apresentam um grau mais elevado de arte, ou por seus desenhos ou por seu assunto: Eisner, Berardi & Milazzo, Pratt, Moebius, Manara. Talvez não tenha sido esta a intenção dos criadores de Badlands, mas é inegável que, como HQ policial baseada num acontecimento histórico dos mais relevantes dos EUA, a versão que ela sugere é original e duradoura: Kennedy não foi assinado por um louco, nem eram loucos aqueles que o assassinaram; houve premeditação profissional e havia um agente que apertou o gatilho e que, por uma interferência irônica mais interna que aleatória, escapou ao seu destino de bode expiatório.

Com isso quererá nos dizer que não se pode manipular a contento uma cadeia de eventos? Não sei, afinal de contas é só uma HQ.

Um comentário:

Márcia Barretto disse...

Olá! Gostei da dica; adoro HQ e a lista que vc citou, obrigatória para aficcionados; interessante também sua lista de eventos marcantes nos EUA; faltou o WTC; grandes feridas narcísicas no estômago da grande águia calva...Vou procurar o Badlands; Valeu!