
O argumento deste romance, que é um dos mais breves do autor, é tradicional e, ao mesmo tempo, surpreende pelo deslocamento que promove na construção narrativa, mais precisamente no foco da investigação. Uma jovem (bonita, evidentemente) é encontrada morta em seu apartamento. É óbvio que foi assassinada, e o principal suspeito é um de seus amigos mais próximos, que morava com ela e é detido na rua em estado de choque, as roupas cobertas de sangue. O pai da moça, inconformado com o resultado das investigações da polícia, contrata o detetive particular Matthew Scudder. É então que o relato torna-se precioso: o detetive começa a investigar o crime em busca do assassino, mas, gradativamente, deixa-se atrair pela vida pregressa da jovem morta, cheia de detalhes inesperados e incursões sensuais.
Formado na tradição do relato policial angloamericano, de investigação pura (Poe, Agatha Christie) ou embate corporal com os bandidos (Hammett, Chandler), Lawrence Block, neste romance, flerta com o método de criação do belga George Simenon, que, na figura do seu célebre detetive, o comissário Maigret, preferia enfatizar a vida das pessoas que transitavam em volta da vítima, em detrimento do crime em si, para ele uma simples consequência de atos humanos e corriqueiros.
O desfecho, no entanto, reconduz a narrativa a um fluxo mais coerente com a formação de Block, e não é incomum que vejamos, no último ato do detetive, um reflexo do procedimento de vida do investigador particular Philip Marlowe, de Chandler. Como Marlowe, Scudder é um homem solitário, desencantado, cínico e, com alguma frequência, mostra-se um moralista incurável, um romântico aprisionado à servidão de si mesmo: um sujeito sem ilusões pessoais. Tais características emolduram a sugestão de autopunição que ele oferece ao assasssino, e que este, fragilizado e seduzido, segue à risca.
Mas isso não é demérito ao livro nem ao seu autor. Pelo contrário: sendo o detetive quem é, um católico, e depois de viver o esfacelamento da própria família, é natural que ele aja daquele jeito: com a noção, equívoca, de que pode consertar e reger o mundo.