Em um período de onze anos, Hammett modificou todo o conceito do que fosse um romance policial. Isto é: aquelas histórias em que um detetive supergênio, contando somente com a força do seu intelecto (e desdenhando do laborioso e "incompetente" esforço das forças policiais), resolvia seus casos simplesmente sentado no sofá e fumando cachimbo, foram de um momento para outro ultrapassadas e tornadas ridículas.
Pela primeira vez, sentia-se que o detetive era uma pessoa de carne e osso que também apanhava, levava tiro ou ficava resfriado. Pela primeira vez, percebia-se que o mundo onde essa pessoa caminhava era o mesmo que o do leitor, com toda a sua violência, corrupção e feiúra. E que ele respondia na mesma moeda, tal qual o leitor adoraria também fazer, se tivesse a mesma coragem, competência ou experiência.
Experiência Hammett certamente possuía. Depois de passar anos trabalhando (ou tentando trabalhar) em empregos os mais diversos (de office-boy a estivador, de roteirista de Hollywood a professor de inglês), ele próprio foi detetive da quase mitológica agência Pinkerton, onde ficou mais de dez anos. Não foi lá um grande detetive, memorável, mas quando percebeu que podia passar isso para o papel... Bem, foi o equivalente a um verdadeiro terremoto.
Começou publicando contos em revistas de papel barato e grande distribuição, a chamada pulp fiction, termo que ficou famoso entre nós pelo filme do Quentin Tarantino, uma franca homenagem a este tipo de literatura. Em 1929 publicou seu primeiro romance, The dain curse, que, na verdade, era um conto um pouco mais extenso do personagem principal de histórias anteriores, o detetive da agência Continental Op.
Seu livro mais famoso é, sem dúvida, O falcão maltês. De qualquer forma, foi o mais glorificado, incensado e copiado. E quando foi refilmado (pela terceira vez!) ajudou, de quebra, a alicerçar um novo gênero de filme, o Cinema Noir, alavancando a carreira do diretor John Houston e transformando em astro um ator de filminhos B, um tal de Humphrey Bogart.
O homem magro foi publicado pela primeira vez em 1934 e se tornou um dos seus mais permanentes sucessos. Também foi filmado e teve várias continuações. Virou uma série de rádio (lembremos do grande poder de comunicação que o rádio possuía na época) que durou décadas e, quando a televisão começou a ocupar espaço, também virou telessérie. Foi uma fonte de renda constante para Hammett, que viveu dos direitos autorais destas adaptações até o final da sua vida.
Os personagens principais, Nick Charles, e sua esposa Nora, esbanjam charme e simpatia, mesmo com sua cínica visão da realidade, enquanto transitam entre marginais do baixo mundo e festas na alta sociedade. Para eles, a linha divisória entre estes dois mundos é extremamente tênue. Sem querer entrar numa discussão sobre qual seria sua obra-prima, Hammett está aqui em sua melhor forma. Os diálogos estão mais secos, cortantes e duros do que nunca, o humor negro é sempre mordaz e cáustico, e o timing e o ritmo da ação estão perfeitos. Para degustar ainda mais este livro, melhor não esquecer um bom copo de Martini na mão. Seco, obviamente.
Depois da publicação deste livro, no auge do seu sucesso e fama, respeitado pelos críticos e adorado pelo público até sua morte em 1961, Hammett não escreveu mais uma linha sequer, exceto algumas paginas do que seria um novo romance (que, ironicamente, não parecia ser um romance policial).
Discute-se muito a razão disso, muito embora a bebida tenha sido um motivo mais do que suficiente. Ele literalmente "bebeu" a fama e o dinheiro que foi possível ou que sua mulher permitiu. No final de sua vida, tentou desesperadamente escrever roteiros e peças de teatro que nunca foram levadas adiante.
Sua última grande atuação foi durante a perseguição do macarthismo, quando disse não conhecer o nome dos contribuintes de um grupo com suspeitas de ligações comunistas, do qual ele era simplesmente um dos secretários da tesouraria. Mais "hammettiano" do que isso, impossível.
CLAUDINEI VIEIRA, um infiltrado, é contista, com incursões também pelo relato policial. Publicou Desconcerto (São Paulo: Demônio Negro, 2008).
2 comentários:
Maravilha, Mayrant! Claro que já estou divulgando pelo meu desconcertos. Valeu, camarada. Grande abraço!
Ufá!!!!sin palabras!
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