A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.
segunda-feira, 10 de junho de 2013
NOITE SEM FIM
Capa: Victor Burton.
É provável que Noite sem fim (Endless night, 1950) não seja um dos 10 romances favoritos da imensa legião de leitores de Agatha Christie. Tampouco é provável que seja um dos mais comentados pela crítica especializada. Aliás, este é um livro incomum, tanto se avaliado em face do estilo da autora quanto a partir das regras do relato policial de mistério, que a tornou a mais cultuada escritora do gênero em todos os tempos. Noite sem fim é, grosso modo, uma história de amor. Narrado em primeira pessoa, reúne uma jovem milionária e um motorista, que se conhecem, se casam e vão morar no campo, numa casa construída especialmente para eles. É ali que, em convivência, surgirão os primeiros problemas de adaptação com os supersticiosos habitantes do local e, por fim, uma morte. Os detetives recorrentes da autora não comparecem para solucionar o crime, que fica a cargo da polícia do lugar, e boa parte da história se passa durante o cotidiano do casal. Obviamente que, se não houvesse uma surpresa final, não seria um livro de Agatha Christie. E a surpresa causa impacto no leitor, que fecha o livro com um certo mal-estar, sentindo-se, digamos, ludibriado. Todavia, todos os autores fazem isso, mais cedo ou mais tarde, em especial aqueles que produzem em larga escala e com os quais os leitores se mantêm vigilantes, sedentos, à espera da próxima obra. Descansam de seu método ou de suas incursões mais frequentes. Foi, a meu ver, o que sucedeu a Agatha Christie com Noite sem fim. Ela saiu de si mesma para tentar escrever uma obra livre de amarras e com a qual pudesse exercitar a imaginação, o que não deixa de atestar seu virtuosismo. E Noite sem fim é, sem dúvida, uma de suas obras em que ela mais se detém em reflexões pessoais do narrador e análises do mundo à sua volta: "Ninguém reconhece na própria vida, a não ser tarde demais, os momentos que são realmente importantes". Se tivesse se mantido nos trilhos de um entrecho mais policialesco, isso não seria possível. E só o foi porque ela se permitiu variar.
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