Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

domingo, 13 de setembro de 2009

DIZER ADEUS


Os contos do escritor Mayrant Gallo, reunidos no livro Dizer Adeus, publicado pelas Edições K, em 2005, são considerados pelo autor "rituais de crimes", e não narrativas do gênero policial, que lhe parece, machadianamente, um "gênero difícil". Seja como for, tratam-se de narrativas nas quais verificamos a presença da morte (metafórica ou não). Já é quase um dogma a assertiva que defende a verdadeira arte como aquela que mesmo trabalhando com um assunto visitado inúmeras vezes, como a morte, por exemplo, o aborda de uma forma nova, ou seja, é aquela que nos diz a mesma coisa de uma outra maneira. E em Dizer Adeus todos os contos nos prendem de um modo especial. Sim, o modo, a maneira de se tratar um tema, esse é o toque definidor do genuíno artista. E esse modo inovador da escrita percebemos, no autor, em "Mãos Dadas", apenas para citar um conto, o último do seu conjunto meio noir. Logo no início, o que chama a nossa atenção é a estrutura. Os capítulos são divididos por letras. No capítulo A, como nos demais, períodos curtos, o dizer-muito-com-pouco: "Uma criança, um pai. O pai que desce a escada, e a criança que o segue, na noite: Pai, quero ir também... Um rosto que se volta: Não. Passos. Dois pés que descem. Dois pezinhos que sobem." Essa linguagem cinematográfica, imagética, metonímica, fragmentada, nos permite ver toda a cena. E se dermos um salto para o desfecho dessa história, que envolve relacionamento familiar, traição e crime, lemos apenas a seguinte frase: "Sangue na noite". O crime não foi narrado. Não era necessário. O leitor está totalmente satisfeito. E impactado. Depois dessas três palavras, não se precisa escrever mais nada.

LIDIANE NUNES, uma infiltrada.

3 comentários:

Hitch disse...

Expressivo e preciso comentário. Cada linha, um testemunho apaixonado. Muito que bem, Lidi. Aquele abraço.

Bárbara disse...

Lidi, assino embaixo.

A escrita de Mayrant (prosa e verso) é surpreendente. O leitor, sem dúvida, não escapa ileso.

Abraços.

Wladimir Cazé disse...

Tive a honra de ser o revisor e um dos editores desse pequeno petardo literário. Que venham novos livros do talentoso narrador Gallo.