“Um homem diante de um deserto pode, ao menos, caminhar em qualquer direção.” Esta é, talvez, a chave para decifrar a metáfora da novela O invasor, de Marçal Aquino, recém-publicada em formato “quase de bolso” pela Companhia das Letras, na coleção Má Companhia.
Alguns leitores podem argumentar que não há nada naquela história para ser decifrado. Mas há sim, pois a narrativa é em primeira pessoa. É um testemunho pessoal do personagem: é ele quem escreve tudo o que viveu, porque está vivo, ou esteve por um tempo, o suficiente para escrever sua história, em algum lugar. Não hesito em afirmar que, no deserto do seu drama, ele tomou outra direção, se corrompeu de todo, pois todo homem tem seu preço, que se mede ou em dinheiro ou em oportunidades. Neste sentido, no desfecho, foi oferecida a Ivan uma nova chance, e ele a agarrou, destituído de seu último fiapo de moral: quem suja as mãos uma vez suja duas.
O argumento de O invasor, que constituiu a base do filme homônimo de Beto Brant, uma das melhores produções brasileiras do final dos anos 1990, põe em pauta a afirmação — terrível — de que qualquer problema no Brasil pode, com proveito, ser resolvido a bala. O diálogo entre as partes faz perder tempo e dinheiro, e não passa de um vício socrático. Se alguém não concorda com você ou o está atrapalhando, elimine-o. Com isso, você ganhará tempo e economizará dinheiro, pois um matador de terceira categoria faz o serviço por qualquer trocado — e vida que segue. É assim entre parentes, entre vizinhos, políticos, sócios. Os jornais, a tevê e a internet estão cheios de histórias parecidas, cunhadas com base nesta fórmula.
E não foi de outro modo que Alaor (Giba, no filme) e Ivan decidiram resolver suas diferenças com Estêvão, sócio de ambos na construtora Araújo & Associados. Pagaram a Anísio para resolver seu problema, matando Estêvão. Só não contavam com o fato de que Anísio, depois, também se tornaria um problema, ao invadir suas vidas. E agora, quem vai matar quem? Retrato de nossa época, e não apenas no Brasil, O invasor é, além de uma ágil narrativa policial, um ótimo exame de quem somos nas situações extremas do cotidiano. Alguns (talvez a maioria) ainda preferem o diálogo, o acerto de contas verbal, mas há quem prefira encomendar um corpo, como se telefonasse e pedisse uma pizza.
Um comentário:
Li o livro. Muito bom. E estes que preferem "encomendar um corpo, como se telefonasse e pedisse uma pizza" estão aumentando, vertiginosamente. Abraço, Mayrant.
Postar um comentário