Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

sábado, 29 de janeiro de 2011

OS PECADOS DOS PAIS

Os pecados dos pais é um dos melhores romances de Lawrence Block, um dos principais representantes da terceira plêiade de escritores policiais norte-americanos, se concordarmos que o gênero nos EUA começou com Edgar Allan Poe, no século XIX, prosseguiu com James M. Cain, Raymond Chandler, David Goodis, Dashiell Hammett e outros, na primeira metade do século XX, até chegar a Lawrence Block e seus pares, nas décadas seguintes.

O argumento deste romance, que é um dos mais breves do autor, é tradicional e, ao mesmo tempo, surpreende pelo deslocamento que promove na construção narrativa, mais precisamente no foco da investigação. Uma jovem (bonita, evidentemente) é encontrada morta em seu apartamento. É óbvio que foi assassinada, e o principal suspeito é um de seus amigos mais próximos, que morava com ela e é detido na rua em estado de choque, as roupas cobertas de sangue. O pai da moça, inconformado com o resultado das investigações da polícia, contrata o detetive particular Matthew Scudder. É então que o relato torna-se precioso: o detetive começa a investigar o crime em busca do assassino, mas, gradativamente, deixa-se atrair pela vida pregressa da jovem morta, cheia de detalhes inesperados e incursões sensuais.

Formado na tradição do relato policial angloamericano, de investigação pura (Poe, Agatha Christie) ou embate corporal com os bandidos (Hammett, Chandler), Lawrence Block, neste romance, flerta com o método de criação do belga George Simenon, que, na figura do seu célebre detetive, o comissário Maigret, preferia enfatizar a vida das pessoas que transitavam em volta da vítima, em detrimento do crime em si, para ele uma simples consequência de atos humanos e corriqueiros.

O desfecho, no entanto, reconduz a narrativa a um fluxo mais coerente com a formação de Block, e não é incomum que vejamos, no último ato do detetive, um reflexo do procedimento de vida do investigador particular Philip Marlowe, de Chandler. Como Marlowe, Scudder é um homem solitário, desencantado, cínico e, com alguma frequência, mostra-se um moralista incurável, um romântico aprisionado à servidão de si mesmo: um sujeito sem ilusões pessoais. Tais características emolduram a sugestão de autopunição que ele oferece ao assasssino, e que este, fragilizado e seduzido, segue à risca.

Mas isso não é demérito ao livro nem ao seu autor. Pelo contrário: sendo o detetive quem é, um católico, e depois de viver o esfacelamento da própria família, é natural que ele aja daquele jeito: com a noção, equívoca, de que pode consertar e reger o mundo.

2 comentários:

Palatus disse...

Amigos,

Depois de ter depositado minha dissertação, agora preciso mais que urgente voltar à literatura, lugar de gozo epifânico!

Saudade de vossas conversas.
Tive um presente de início de ano em pleno dia 2 em Salvador, quando encontrei o nosso nobre mestre Mayrant e sua esposa na Barra. Presente de Rei eu tive.

Comecei o ano de 2011 bem!

Espero ler este ano algumas literaturas indicadas por vcs.
Um abraço!

Lidi disse...

Já vi que, caso siga mesmo para o mestrado, terei que imprimir essa blogue todo, pois será de grande auxílio para a minha pesquisa.