Noir francês

A lua na sarjeta (La lune dans le caniveau, 1983), David Goodis por Jean-Jacques Beineix.

terça-feira, 21 de maio de 2013

INSTINTO SECRETO OU MR. BROOKS NO CÉU

O fascínio dos leitores ou espectadores por Dexter e Ripley, para citar apenas dois dos mais célebres heróis-assassinos, advém do fato de que todas as pessoas alimentam a fantasia de guardar, sob muitas capas e máscaras, um segredo terrível, que chocasse a família, os amigos, o mundo. Ou seja, através destes personagens damos vazão aos nossos desejos secretos e nos expurgamos para uma vida mais limpa entre os mortais. Nesta linha, um filme surpreendente é Mr. Brooks (2007), que recebeu no Brasil o manjado título Instinto secreto.

O Sr. Brooks é rico, bem-sucedido, bem-apessoado, bom marido, bom pai e bom patrão. Jamais perde a paciência ou sai da linha. É um negociador nato. Sabe quando falar e o que falar, sem que ninguém saia ferido do diálogo. Tem, portanto, uma ficha incorrigível. E, talvez por isso, necessitasse de um segredo, um vida dupla: ele mata por vício, em busca de prazer, como qualquer outro jogador. Estuda as vítimas, sempre pessoas desconhecidas, fora do seu cículo pessoal ou profissional, pessoas quase achadas ao acaso, e numa noite previamente marcada invade suas casas e as mata, num ritual bárbaro mas viciante, pois lhe confere enorme satisfação, a ponto de levá-lo quase ao orgasmo. De repente, por força das circunstâncias, e por ironia da trama, obviamente, ele passa a matar por necessidade, o que demonstra que ele não era assim tão autossuficiente. É como se um ser maior, pai espiritual do Sr. Brooks, decidisse intervir para lhe interpor uma parede entre sua condição de ser humano e a possibilidade divina, com a qual todo homem muito poderoso acaba por flertar, mais cedo ou mais tarde, para tão somente sentir o peso e tombar.

A narrativa costura habilmente cinco destinos, todos manipulados com cruel maestria pelo Sr. Brooks, mas que serão, afinal, o seu calcanhar de Aquiles: sua filha Jane; o Sr. Smith, o bobalhão da história; a detetive Tracy Atwood, encarregada de investigar os Crimes das Digitais; seu ex-marido, do qual está se divorciando com visíveis perdas financeiras; e o bandido que ela mandou para a prisão e que agora, depois de fugir, pretende matá-la. Ao fim, o Sr. Brooks, mais do que nunca, atinge o patamar de demiurgo, a conduzir os cordões de suas marionetes e ler nos jornais as consequências benéficas de seus feitos. Contudo, na cama, ele não é mais o mesmo. Sonha, e seus sonhos são ruins. Não seria demais cogitar que ele agora sofre, de fato, porque sente culpa. Porque o que era vício, um jogo apenas, tornou-se necessidade, paixão, e ele foi obrigado, a sangue e segredo, e com alguma empáfia, a esculpir destinos, entre os quais o seu e o de sua filha. Talvez, ao atingir esta condição, mais próxima de Deus, o Sr. Brooks tenha enfim compreendido sua fraqueza de homem e chegado, por ele mesmo, à cura do seu vício.

Com fotografia noire, ritmo ágil, mas sem exageros, cenas de ação com pretensões estéticas, roteiro irônico, boa direção (de Bruce A. Evans) e performances satisfatórias de todos os atores, Mr. Brooks é um espécime do gênero policial que, passado algum tempo, voltamos a assistir por e com deleite, já sabedores do desfecho e buscando, no curso dos acontecimentos, a coerência de suas afirmações, por mais perversas que sejam.

3 comentários:

Lidi disse...

Thiago já comprou esse filme, Mayrant. Vou comprar o meu DVD também. A sua resenha está maravilhosa, literária. Como não se interessar? Um abraço.

Lidi disse...

Assisti e adorei o filme! Muito bom! E aquele final?! Excelente! Um abraço.

Paulo Ricardo disse...

Vcs acham que Marshall era o pai dele? ? Para mim era e tinha sido assassinado por Earl.....